O cenário das startups de IA no Brasil e no mundo
Quais são e onde estão as principais startups de Inteligência Artificial nacionais e mundiais em 2021? Em que setores atuam, valores de mercado, segmentos e mais
Nos dois textos anteriores, tratamos da história e de um bocado de imaginação sobre futuros possíveis da Inteligência Artificial (IA). Neste texto em tela, vamos encarar o presente da IA a partir de um recorte de mercado: o cenário das startups que têm Machine Learning e Deep Learning como core de negócio em 2021, tanto no Brasil quanto no mundo.
Por vários momentos, pode ser comum que aspirantes ou profissionais de Data Science ou aqueles interessados em ML Engineering (engenharia de aprendizado de máquina) enxerguem sua carreira e atuação em empresas que possuem a tecnologia como suporte do negócio e não como seu principal produto.
Entretanto, é interessante observar um setor crescente de empresas, que desenvolvem produtos de IA para outros negócios. Não só porque significam oportunidade de trabalho (inclusive, mais especializado e avançado), mas porque revelam uma série de ideias e estratégias para quem eventualmente pensa em se aventurar a empreender na IA.
Cases desafiadores não faltam e grandes empresas, como as big techs, têm abocanhado uma boa parte das startups de IA nascentes, dado o potencial de inovação e disrupção que carregam.
De automação inteligente para setores de marketing e financeiro (que lideram iniciativas) até comida feita de planta (plant-based), com receita elaborada por IA, há um oceano de possibilidades sendo pensadas, testadas ou já em andamento no mercado.
O que é uma startup de IA?
Para um alinhamento breve, startup é um tipo de empresa que reúne algumas definições fundamentais ao longo da história:
“uma organização temporária projetada para buscar um modelo de negócios que seja repetível e escalável”, de acordo com Steve Blank, um pioneiro e “guru” da área;
“uma empresa projetada para crescer rápido”, segundo Paul Graham, programador, empreendedor e investidor, um dos fundadores da Y Combinator, incubadora pioneira de startups;
“[...] uma instituição humana projetada para entregar um novo produto ou serviço em condições de extrema incerteza”, conforme Eric Ries, discípulo de Steve Blank e autor do livro “The Lean Startup” (trazido para o português como “A Startup Enxuta”), um divisor de águas na indústria de tecnologia.
Há quem considere startup tanto um negócio com potencial inovador na atualidade como a empresa que Thomas Edison fundou em 1878, a Edison Electric Light Company, atualmente General Eletric (GE), por exemplo.
Pensando-se em seu ciclo de vida, startup também é um tipo de empreendimento que busca lançar uma ideia no mercado e validá-la iterativamente, até atingir market-fit (“ajuste de mercado”) para, em seguida, se possível, escalar exponencialmente e se tornar uma empresa consolidada, seja por meio de abertura de capital ou da aquisição por outras empresas.
Muitas startups, é claro, podem não encontrar mercado e ficar pelo caminho, por isso se trata de um negócio de risco.
Tomando essa introdução, startups de IA são aquelas que satisfazem essas definições e percorrem tal ciclo de vida tendo como seu negócio principal o desenvolvimento de soluções de IA para terceiros, sejam consumidores (pessoas físicas) ou outras empresas ou instituições (pessoas jurídicas).
Por exemplo, um banco digital, por mais que use extensivamente IA, ainda assim tem a atividade financeira e não a IA como negócio principal. Já uma startup que desenvolve uma solução de IA que, digamos, é comprada por vários bancos digitais para facilitar seus processos, é uma empresa que tem a IA como a essência de seu negócio.
O cenário mundial
Atualmente, calcula-se em mais de 9 mil as startups que têm IA como core business no planeta, segundo dados de 2021 da CruchBase1, uma base de dados paga sobre startups.
O número vem crescendo ano a ano e, é claro, pode ter flutuações, dado novas startups que surgem e são mapeadas e aquelas que sucumbem por não conquistarem mercado — vale lembrar que, embora o termo “startup” tenha se popularizado, ainda significa um tipo de negócio de alto risco, sujeito a fechar as portas a qualquer momento.
Para ficarmos em um recorte mais significativo, é interessante olharmos para as startups de IA de maior sucesso hoje. Por sucesso, entenda-se: valor de mercado. É a validação máxima de que uma ideia, seu desenvolvimento e sua implementação interessam a uma gama de pessoas.
Um ponto de corte para sucesso, quanto às startups, é quando uma iniciativa atinge valor de mercado de um bilhão de dólares. São os chamados “unicórnios”, termo sugerido pela investidora-anjo Aileen Lee, em um artigo no TechCrunch, em 2013, que se tornou um jargão na indústria da inovação.
A CB Insights, plataforma de inteligência de mercado em tecnologia, contabilizava 64 startups “unicórnios” de IA em todo o mundo, em seu relatório, até pouco antes da publicação deste artigo. O relatório listava, ao todo (não apenas de IA), 775 unicórnios mundiais.
A base de dados é dinâmica e pode sofrer alteração das informações a qualquer momento, com entrada ou saída de empresas e modificação de seu valuation, como é chamado o valor de mercado de uma empresa.
Dos 64 unicórnios de IA, 30 são dos Estados Unidos e 17 são da China. Vêm em seguida: Reunido Unido e Israel (quatro cada), Canadá (3), França (2) e Singapura, Japão, Chile e Bermudas (uma cada).
Não há nenhuma empresa brasileira na lista, o que não significa que não existam startups de IA no país (veremos sobre elas adiante), apenas que nenhuma atingiu o valor de um bilhão de dólares, ao menos não ainda.
Para nossa análise, filtramos apenas as startups classificadas como “Artificial intelligence” quanto à indústria de atuação na CB Insights. Há outras 26 categorizadas como “Data management & analytics tools”, mas que deixamos de fora porque não representam negócios de IA propriamente ditos.
Olhando as “top dez” startups do ranking, há algumas constatações interessantes. Sete são dos EUA e três da China. Apesar dos EUA liderarem no quadro geral e nas “top dez”, a China detém um feito: é de lá a startup mais bem avaliada do mundo, a ByteDance, dona do TikTok, aplicativo mais baixado do mundo em 2020, com valuation, em dólares, de US$ 140 bilhões.
Tal valor fez a empresa ser apelidada de “hectocorn”, um unicórnio multiplicado cem (hecta) vezes. Apesar de ser mais conhecida por seu carro-chefe, o cerne da ByteDance não é o TikTok em si, é o desenvolvimento de produtos de IA focados em conteúdo: compreensão de texto, voz, imagem e vídeo e recomendação de informações personalizadas.
A empresa detém um aparato gigantesco de dados de usuários, muitos deles em forma de mídia (vídeos e conversas, por exemplo). Por essa característica e pela sua colaboração com o governo chinês, não raro se viu envolvida em polêmicas e ameaçada de ter seus serviços suspensos nos EUA e em países europeus, sob alegação de espionagem de dados.
A China detém ainda a 2ª e a 9ª posição do ranking. Os demais unicórnios são todos estadunidenses.
A lista a seguir sintetiza nacionalidade, valor e especialidade dos “top dez” unicórnios de IA mundiais:
ByteDance, China, US$ 140 bi, especializada em IA em plataformas de conteúdo.
SenseTime, China, US$ 12 bi, especializada em visão computacional para reconhecimento facial, análise de exames médicos, direção autônoma, sensoriamento remoto etc.
Scale AI, EUA, US$ 7,3 bi, desenvolve uma API que permite inserir solicitações de humanos para conclusão de tarefas servis e repetitivas
Argo AI, EUA, US$ 7,25 bi, desenvolve software de machine learning para veículos autônomos.
Gong, EUA, US$ 7,25 bi, plataforma de aprendizado de máquina para análise de dados não estruturados voltados à otimização de vendas.
Faire, EUA, US$ 7 bi, plataforma gratuita, alimentada por IA, onde varejistas podem encontrar novos produtos para suas lojas e fazer testes A/B sobre mercadorias.
Automation Anywhere, EUA, US$ 6,8 bi, automação de processos robóticos inteligentes (RPA) para negócios.
DataRobot, EUA, US$ 6,3 bi, plataforma que capacita usuários a fazer melhores e mais rápidas previsões, por meio de recursos de machine learning.
Pony.ai, EUA, US$ 5,3 bi, desenvolve software para percepção ambiental usada em carros autônomos.
Horizon Robotics, China, US$ 5 bi, desenvolve desde algoritmos de deep learning até recursos de hardware para robótica.
É claro que a ByteDance é um outlier e tanto na lista, a ponto de distorcer análises por segmento de IA desenvolvida. (Nem um gráfico que compare o valor de mercado de cada uma ela permite fazer: tornaria as demais insignificantes.
No entanto, por essa pequena amostra, é possível perceber uma predominância da automação inteligente de processos, sobretudo de negócios, e de dispositivos, principalmente para veículos autônomos.
Enquanto no primeiro segmento, o da inteligência de informações, lida-se com camadas mais familiares das disciplinas de dados, bastante baseadas na Web e no comportamento humano, o segundo segmento avança sobre outras camadas mais complexas, como percepção ambiental, otimização e, em alguns casos, até as partes físicas e mecânicas (hardware) de dispositivos inteligentes.
Fora das “top dez” e de China e EUA, também há casos que valem ser observados. Graphcore, a mais bem avaliada entre as startups do Reino Unido (US$ 2,77 bi), desenvolve chips (hardware) para IA, por exemplo.
A insraelense Orcam Technologies, segundo mais bem avaliada do país (US$ 1,03 bi), desenvolve um dispositivo de visão computacional para deficientes visuais, que pode se acoplado a óculos e que identifica placas e sinais na rua, produtos em supermercados, além de ler textos de um livro, por exemplo.
A única representante de Bermudas, que chama atenção por se tratar de um país pequenino do Caribe, chama-se Afiniti (US$ 1,6 bi) e desenvolve IA para identificar e prever padrões sutis do comportamento humano, visando melhorar a qualidade de relações pessoas, principalmente entre clientes e funcionários de empresas.
O unicórnio mais próximo do Brasil, a única sul-americana, é a chilena NotCo. Outro caso curioso e inovador: ela desenvolve comida à base de planta (plant-based) com receitas preparadas por IA. (Até o site foi feito para parecer delicioso).
Na prática, a empresa usa um algoritmo próprio de IA, apelidado de “Giuseppe”. Ele mapeia e analisa propriedades moleculares de alimentos de origem animal e consegue reproduzir sabores, texturas e aromas em produtos criados a partir de ingredientes vegetais.
Na lista de produtos da NotCo, há hambúrguer, leite, sorvete e maionese, produtos que conquistaram e tem entre investidores o piloto de Fórmula 1 Lewis Hamilton e o tenista Roger Federer, além do homem mais rico da atualidade, Jeff Bezos2.
Uma ideia e tanto de uso de Inteligência Artificial para impactar o mundo real, não? Só o marketing em torno de não sacrificar animais e proteger o planeta (pecuária é tida como um das principais causas de aquecimento global) é uma alavanca e tanto à estratégia da empresa.
O cenário brasileiro
O Brasil tem mais de 13 mil startups, segundo a Startupbase, da Associação Brasileira de Startups (Abstartups). Há unicórnios entre elas, estando o Nubank no “top dez” mundial, avaliado em US$ 30 bilhões, após aporte de Warren Buffett, este ano. Nenhum desses unicórnios, porém, são empresas que têm IA como core business.
Uma das melhores fontes de informações sobre startups de IA no país, com metodologia e critérios bem explicados, é o Distrito Inteligência Artificial Report 2021, produzido pela Distrito, uma plataforma de inteligência de negócios que também usa IA para publicar relatórios frequentes sobre o cenário de inovação brasileiro.
Segundo o levantamento, embora o Brasil não tenha (ainda) nenhum unicórnio de IA, o cenário de startups de IA no país tem crescido de forma animadora. De 2012 a 2020, foram US$ 839 milhões em investimentos. Os anos de 2019 (US$ 243 mi) e 2020 (US$ 268 mi) superaram o somatório de todos os anos anteriores.
Quantidade de startups
O levantamento mapeou 702 startups de IA brasileiras em 2021 e traz detalhes bastante ricos sobre o cenário nacional (inclusive, o material é uma ótima inspiração para visualização, apresentação e contextualização de dados).
Para a classificação, foram consideradas empresas que desenvolvem soluções em Machine Learning, Deep Learning, Processamento de Linguagem Natural e Visão Computacional (tecnicamente, duas especializações de Deep Learning).
Segmentação
As 702 startups englobam tanto aquelas que usam IA em setores específicos (479), como aquelas que desenvolvem soluções globais ou holísticas em IA (223).
Os setores são 13 e incluem, entre outros, serviços financeiros (fintech), publicidade e marketing (martech e adtech), agricultura e comida (agtech e foodtech). As soluções globais ou holísticas são chamadas “funções” e contabilizam cinco; envolvem soluções de AIaaS (software de IA como serviço), Chatbots e BI & Analytics.
O gráfico a seguir ajuda a entender a representação de cada segmento e função no todo:
Algumas constatações que o relatório traz e que o gráfico reforça:
A predominância de AIaaS (AI as a Service) e BI & Analytics se deve, provavelmente, ao fato de serem soluções que atendem uma gama de empresas e segmentos de mercado, o que alavanca receitas.
Chama atenção a quantidade de soluções para Saúde e Biotecnologia e RH e Gestão de Pessoal, acima de Serviços Financeiros e Publicidade e Marketing, que, a princípio, poderiam parecer mais comuns.
Há setores, como demonstra a baixa quantidade de iniciativas, ainda pouco exploradas em IA, mas com potencial, como Educação, Imobiliário e Mídia e Entretenimento.
Também por causa do predomínios de AIaaS e BI & Analytics, a maioria esmagadora das soluções (574 ou 82%) encaixa-se no modelo de negócios B2B (Business to Business), ou seja, soluções de uma empresa para atender outras empresas e não consumidores finais.
Localização
Aula de geografia básica do Brasil, com as desigualdades regionais já conhecidas e a concentração de capital, conhecimento e iniciativa (a tríade para surgimento de novos negócios) nas regiões mais ricas.
São Paulo (o Estado, mas muito provavelmente, com grande participação da capital) concentra o maior percentual das empresas do país (51,9%). Seguem-se Minas Gerais (9,4%), Rio de Janeiro (8,1%), Paraná (7,8%) e Santa Catarina (7,5%).
Pelo predomínio de SP, MG e RJ, o Sudeste é onde estão localizadas 70,2% dessas startups, enquanto outras 22,5% estão no Sul. Nordeste, Centro-Oeste e Norte têm menos de 5% destas empresas cada.
Crescimento
De 2015 a 2020, os setores que mais cresceram em número absoluto de empresas foram: Saúde e Biotecnologia (37 novas empresas) e Serviços Financeiros e RH e Gestão de Pessoal (35 cada).
Percentualmente, os maiores crescimentos ocorreram em Mídia e Entretenimento (800%), Imobiliário (533%) e também em Serviços Financeiros (350%) — obviamente, o número menor de empresas em alguns setores faz qualquer acréscimo ser percentualmente maior nestes do que naqueles que já têm mais startups.
Destaques
O levantamento da Distrito usa dois indicadores para destacar startups de IA: “Top 10”, que leva em conta faturamento presumido, número de funcionários, financiamento captado e métricas de redes sociais, e “FdO” (“Fique de Olho”), que classifica empresas com os mesmos critérios das “Top 10”, mas com peso maior para investimentos captados e visibilidades em redes sociais, o que pode sugerir crescimento rápido, em breve, das mesmas.
Em “Top 10”, estão:
RD Station, plataforma de automação de marketing.
Cortex, plataforma de marketing e vendas.
Clearsale, solução antifraude para e-commerces, bancos e fintechs.
Unico, solução de identidade digital (idtech).
Take Blip, plataforma de chatbot e comunicação inteligente para negócios.
Neoway, solução em inteligência e processo de negócios.
Zenvia, plataforma conversacional, via chat, WhatsApp API, SMS etc.
Revelo, solução de recrutamento e seleção (HR tech).
Semantix, solução completa de jornada de dados, de armazenamento, integração, engenharia, visualização etc.
Solinftec, tecnologia agrícola (agtech).
Várias destas empresas (Solinftec, Zenvia, Take Blip) também são chamadas, de acordo com outras classificações, de “aspirantes a unicórnio” ou “soonicorns” (algo como: podem se tornar “unicórnios em breve”).
Em “FdO”, constam:
Rebel, solução de empréstimos pessoais.
Quod, solução para análise de crédito, recuperação de dívidas, prevenção de fraude etc.
Cyberlabs, soluções de voz, reconhecimento facial, entre outras.
Konduto, antifraude para e-commerces e pagamentos digitais.
Agrosmart, soluções inteligentes para o agronegócio.
Escale, experiência de aquisição de clientes e compras.
Hands, inteligência de dados para marketing e qualificação de audiências.
idwall, verificação e validação de documentos.
Olivia, plataforma de poupança comunitária e educação financeira.
Pitzi, seguro para celulares.
Amaro, e-commerce de produtos de moda, beleza, bem-estar e casa.
Incognia3, solução de biometria, localização e reconhecimento de usuários.
Embora soluções e plataformas para publicidade e marketing, e-commerces e serviços financeiros predominem em ambas as listas, é interessante haver alguma variedade de iniciativas, como em agronegócio, identidade digital e recrutamento e seleção.
Uma percepção: todas estas startups atacam negócios específicos e alguma experiência nestes segmentos (além do conhecimento técnico em computação, ciência e engenharia de dados) provavelmente é um diferencial para profissionais que trabalhem ou venham a trabalhar nelas.
Investimentos
Dinheiro, queira-se ou não, é um importante indicador de sucesso. E, em relação a startups, isso não significa apenas sucesso no presente, mas possibilidade de grande sucesso no futuro.
Quanto aos investimentos, a lista inverte-se um pouco, em relação à quantidade de empresas, por exemplo. O ranking, por setor, é o seguinte:
Publicidade e Marketing: US$ 111,7 milhões;
Serviços Financeiros: US$ 88,8 mi;
RH e Gestão de Pessoal: US$ 41,3 mi;
Saúde e Biotecnologia: US$ 18,9 mi;
Regulação e Compliance: US$ 13,9 mi;
Logística e Transporte: US$ 3,2 mi;
Indústria 4.0: US$ 2 mi;
Mídia e Entretenimento: US$ 1,3 mi;
Risco e Preservação Ambiental: US$ 987 mil;
Imobiliário: US$ 32 mil.
Segundo a Distrito, Publicidade e Marketing tem predominância por causa de aportes multimilionários na Resultados Digitais e bons resultados em outras empresas, como Escale.
Serviços Financeiros vivem um boom, dado o surgimento e crescimento de bancos digitais e gestoras de investimento e a necessidade de automação dessas empresas. Agricultura e Comida vai na mesma linha.
Chama atenção o fato de que, apesar de ter mais startups em quantidade, Saúde e Biotecnologia recebeu menos financiamento do que RH e Gestão de Pessoas, que tem bem menos empresas.
Em relação a “funções”, a inversão também ocorre. Os maiores financiamentos são para soluções de chatbot (US$ 186,1 mi), que conta com 43 empresas, enquanto AIaaS, que tem 76 empresas, recebeu US$ 49,9 milhões.
Outras percepções
Outro dado bastante interessante do relatório da Distrito é quanto ao quadro societário dessas 702 startups. Aqui, há mais questões regionais e também de disparidade de gênero.
A maioria das empresas tem, em média, três sócios, dos quais quase metade são naturais de SP, na faixa de 40 anos, sendo que 86,5% são homens. Ou seja, falta diversidade regional e de gênero, problemas recorrentes na indústria de tecnologia.
O relatório traz ainda tendências para os próximos anos, entre elas foco em ética da IA, integração e normalização, depoimentos e cases, como da própria chilena NotCo, que vimos antes.
Discussão e pontos gerais
IA não é só um campo que nos fascina e gera receios quando olhamos para o passado e quando imaginamos futuros utópicos ou distópicos, como fizemos nos dois artigos anteriores.
É também uma tecnologia crescente que, provavelmente, ao lado da biotecnologia (em alguns casos, junto dela), estará no DNA de muitas novas empresas de sucesso e de iniciativas que irão chamar atenção do mundo nas próximas décadas.
A estimativa, segundo a própria Distrito, com base na Forbes e no Banco Mundial, é que até 2030 a IA adicione um valor equivalente a oito vezes o PIB brasileiro na economia mundial, ou US$ 15,7 trilhões.
Ao mesmo tempo, como vimos no artigo anterior, toda a automação inteligente que isso trará certamente impactará o mundo do trabalho como conhecemos.
E pode ser que essas inovações cheguem mais rápido do que esperamos. Só os investimentos em startups de IA no mundo, em 2021, segundo a CB Insights4, já superou todo o ano de 2020: US$ 38 bilhões, sendo US$ 20 bi apenas no segundo trimestre deste ano.
Seis unicórnios de IA abriram capital (tornaram-se públicas, com ações em Bolsa de Valores) no período, com a plataforma de automação robótica de processos UiPath AI RPA tendo feito o maior IPO (abertura de capital em bolsa) da história do setor até o momento.
Ao mesmo tempo, gigantes da Tecnologia, entre elas as big techs (Amazon, Apple, Google, Facebook e Microsoft), além de IBM e Nvidia, por exemplo, seguem comprando startups de IAa rodo, aumentando seu domínio no setor. Só as big techs adquiriram 13 dessas startups em 2020.
Aos profissionais atuais e futuros de Ciência de Dados e interessados ou que queiram se especializar em Machine Learning e Deep Learning, este cenário pode apontar para duas possibilidades:
aumento de demanda de profissionais para vagas especializadas em startups de IA existentes ou novas, principalmente as que conseguirem escalar e internacionalizar seus negócios;
diminuição de vagas em postos menos especializados ou qualificados da própria área, principalmente em limpeza e preparação de dados, modelagens simples ou tarefas analíticas triviais — que, como dito neste e neste artigos, poderão ser automatizados por soluções prontas, algumas das quais essas mesmas startups de IA irão despejar no mercado.
Uma reflexão interessante, ainda com base no relatório da Distrito, é que à medida que o cenário de startups de IA cresce, mais desmistificaremos a Inteligência Artificial, mais teremos subsídios para discuti-la na prática e mais ela se tornará uma tecnologia essencial, como a Internet se tornou.
Assim como não é mais concebível que uma empresa opere sem Internet ou sem um mínimo de digitalização, dentro décadas (ou anos, quem sabe), IA estará presente, em maior ou menor grau, em diversos (senão todos) os aspectos do trabalho e da vida. Será uma espécie de “novo normal”, conforme o relatório.
Outro fator a atentar, diante dessas projeções, é o valor dos dados para os negócios. IA no sentido prático e predominante que conhecemos hoje, em Machine Learning e em Deep Learning, dependem essencialmente de dados de usuários, do mercado, do mundo real, sejam obtidos de contextos físicos (por sensores) ou informacionais.
Mais do que algoritmos, quem detiver mais e melhores dados terá matéria-prima para alavancar IA inovadora e disruptiva no mercado (um bom tema para artigos futuros).
Todo esse panorama de iniciativas e investimentos também promete novidades em relação à geopolítica dos negócios, principalmente entre EUA e China, e, muito provavelmente, polêmicas em relação à privacidade e segurança e à delicada balança que tem é a regulamentação na área, a qual, ao mesmo tempo que pode garantir direitos a usuários e evitar abusos, também pode frear a o ritmo da inovação.
A quem se interessar por uma abordagem mais ampla sobre startups brasileiras em geral (não só de IA) e sobre a história delas, temos dois artigos que tratam do assunto em outra Newsletter nossa, voltada para Product Management e UX Design: “Um panorama das startups brasileiras” e “Startup, das garagens à onipresença”.
Como o ambiente de investimentos e rankings de unicórnios é bastante mutável a curto prazo, pode haver algumas informações desatualizadas, principalmente no artigo que trata do panorama das startups brasileiras.
Mesmo assim, ambos permitem uma noção mais ampla sobre startups, até porque é e será cada vez mais comum que profissionais de dados e IA comecem e evoluam suas carreiras nesse tipo de empresa.
Artigo escrito por Rogério Kreidlow, jornalista, que gosta de observar a tecnologia em relação a temas amplos, como política, economia, história e filosofia.
No relatório da Distrito, a empresa aparece como “Inloco”, mas mudou o nome para “Incognia”.