Dashboards não estão mortos, mas não se apegue demais
Enquanto todos no negócio querem um painel colorido para chamar de seu, especialistas e consultorias debatem: “dashboards are dead”? O que extrair da polêmica?
Construir dashboards — painéis cheios de gráficos coloridos, para monitoramento de indicadores — é uma tarefa que atrai e diverte muitos cientistas de dados, principalmente aspirantes e iniciantes na área.
O apelo visual que tais painéis têm, ainda mais se somarem recursos interativos, é capaz de seduzir pessoas de negócio (quase que “paixão à primeira vista”, em alguns casos), além de encantarem e traduzirem o mundo quantitativo a leigos.
Bons dashboards são fundamentais em startups e empresas por resumir uma gama de informações em alguns poucos números (índices) e em figuras geométricas de fácil assimilação.
Tais índices e formas permitem, rápida e visualmente, compreender se algo está melhorando ou piorando, traçar comparativos com o passado, entender quantidades e proporções de forma intuitiva e agir rapidamente caso algo esteja fora da normalidade, seja para o bem (vendas bombando na Black Friday) ou para o mal (uma enxurrada de reclamações ou notificações automatizadas de que clientes não conseguem finalizar uma compra).
Acontece que essa febre sobre painéis de dados trouxe, com o tempo, algumas consequências inevitáveis.
Primeiro, eles acabaram um tanto banalizados nos fronts de negócio. De repente, era como se a simples pronúncia de “dashboard” fosse um abracadabra, uma palavra mágica, capaz de destravar uma série de inovações em empresas e startups.
Não ter pelo menos um dashboard, de preferência em um grande monitor, no meio da sala (melhor ainda se fosse uma parede inteira deles, com gráficos dinâmicos) era sacrilégio, a sensação de estar ficando para trás e não acompanhar o espírito do tempo.
Mais: ter o bendito dashboard era o passaporte para, finalmente, dizer aos quatro ventos que a empresa se tornou data-driven.
De repente, em decorrência, todo mundo no negócio queria ou pedia (implorava ou, se tivesse algum poder, ordenava) um dashboard para chamar de seu.
Fenômeno parecido ocorreu com páginas web no passado. Com a moda de empresas terem sites institucionais, entre os 2000 e 2010, chegou-se a um ponto em que cada departamento e, se possível, cada colaborador, queria ter uma página, uma URL própria, onde pudesse pendurar e organizar informações à sua maneira e, quem sabe, acrescentar uns mimos e enfeites para personalizar o espaço virtual.
É claro que o resultado foi uma anarquia, além de um caminhão de trabalho aos encarregados de construir tais artefatos.
Assim como a proliferação de páginas setorizadas levava a todas as cafonices possíveis em termos visuais, destoando da marca e tom de voz da empresa, entregar um dashboard a quem pedir oferece um risco a mais: o de fragmentar informações e a compreensão sobre elas entre diferentes setores da mesma empresa, dificultando integração e entendimento depois.
Segundo (e em decorrência da primeira), de alguma forma essa febre sobre painéis levou, em algumas organizações, principalmente aquelas menos maduras e que ainda trabalham em silos, a Ciência de Dados a ser estigmatizada como “aquele pessoal que faz dashboards”, como se a área se resumisse a isso. (Paulo Vasconcelos, do Data Hackers, aborda essa visão de forma divertida em “Porque eu odeio dashboards”).
Talvez um pouco de psicologia explique porque temos tanto fascínio por artefatos visuais — Steven Pinker, psicólogo e linguista em Harvard, diz que um terço do nosso cérebro é dedicado à visão e que assimilamos informação muito mais facilmente observando ou recebendo descrições concretas, que nos permitam formar imagens visuais, o que explicaria bordões como “uma imagem vale mais do que mil palavras”.
Entretanto, a história também pode nos dar contribuições interessantes sobre porque veneramos e somos facilmente seduzidos pelas visualizações de dados atuais.
Etimologicamente, do inglês, dashboard significa “painel de controle”. Painéis de controle nos lembram o quê? Máquinas que fizeram a cabeça de apaixonados durante décadas. Carros esportivos ou aviões de guerra, principalmente. Máquinas que, no fim das contas, simbolizam poder e conquista.
Curiosamente (e um tanto jocosamente, também), o que se tornou dashboard nos automóveis nasceu como um acessório pouco glamoroso, quando carros não passavam de carroças chiques ainda puxadas por cavalos.
Dashboard era o nome do painel, normalmente em madeira ou couro, que separava o cocheiro dos cavalos logo à frente. Finalidade: proteger o cocheiro de detritos (e outras coisas desagradáveis) que os cavalos pudessem arremessar. Uma origem nada nobre ou poderosa.
O fato é que aquela proteção banal deu origem aos painéis dos carros movidos a gasolina. Primeiro, a ideia era também servir de proteção do motorista, que ficava logo atrás do motor. Logo, porém, a peça virou terreno fértil para a imaginação e a inovação, o apelo estético, a conquista de apaixonados e muitas vendas no setor automobilístico.
De simples utensílios para monitorar as condições dos carros primitivos, os painéis ganharam ares de requinte em veículos que marcaram época, como deste AC Cobra, dos anos 1960:
Ou permitiram até alguns exageros, como neste Lancia Orca, de 1982, com uma espécie de Atari no visor, capaz até de distrair o motorista:
A tendência, que foi um sucesso de mercado, acabou invadindo muitos outros produtos, de eletrodomésticos e máquinas de café self-service e a aeronaves de combate e comerciais, como a cabine deste caça a jato F-100D norte americano, de 1956:
Ou do Concorde, famoso avião comercial supersônico (e com um painel aparentemente tão ruidoso quanto), aposentado em 2003:
A corrida por painéis de controle cada vez mais complexos e obscuros (tudo que requer conhecimento especializado esconde algum poder) desemboca em outra imagem que alimentou nosso imaginário: gráficos de operações em bolsa de valores, de preferência em Wall Street, a meca do mercado financeiro.
Resumo: mercado e história nos fizeram ter um certo fascínio por painéis de controle, como se com eles pudéssemos dominar aspectos da natureza e ganharmos poderes, como o de rodar em alta velocidade, voar ou enriquecer acompanhando preços de ações.
Talvez haja uma reminiscência disso quando queremos um dashboard para chamar de nosso ou, mais, quando, como cientistas de dados, queremos saber como eles funcionam para construirmos alguns iguais ou melhores.
Temos aí um bom relato do porquê dashboards se tornaram o que são. O fato é que, nos negócios, eles acabaram banalizados. A comoditização dos painéis, a repetição de “dashboard” para cá, “dashboard” para lá, os pedidos para construir vários deles e a pecha que isso atribuiu à Ciência de Dados fez profissionais de analytics revisarem a tendência de uma perspectiva crítica.
Em 2020, Taylor Brownlow, head de dados na count.co, um editor de SQL em formato de notebooks do Jupyter, escreveu no blog da empresa um artigo intitulado “Dashboards are Dead”. O artigo foi replicado, depois, no Towards Data Science, influente publicação de Data Science no Medium.
A opinião ganhou eco de pessoas como Tristan Handy, fundador e CEO do dbt Labs, que mantém o dbt, uma ferramenta para deploy de código analítico que segue boas práticas da engenharia de software. E, por causa do comentário de Handy, rendeu respostas de outros interessados no cenário.
Para amplificar a tendência, empresas que vendem soluções analíticas começaram a dar atenção ao decreto de fim dos painéis. A pandemia pegou negócios desprevenidos e fez muitos gestores terem de tomar decisões às escuras, sem poder contar com gráficos que só captavam regularidades, não o “cisne negro” dos lockdowns e das pessoas trancadas em casa.
Veio o Gartner, então, empresa mundial de pesquisa e consultoria, e elencou, entre dez tendências de tecnologia de dados e análises, que dashboards viviam um declínio. Como consultorias desse porte têm grande influência em CEOs do mundo inteiro, para uma “impressão” se tornar uma profecia autorrealizável é questão de curto prazo.
À primeira vista, pelo próprio título, o artigo de Brownlow pode parecer sensacionalista ou click bait, um desses lugares comuns que proclamam, apocalípticos, que cientistas de dados estarão extintos em dez anos, que devemos esquecer o que aprendemos porque uma nova tendência sepultará tudo e outras maldições do tipo.
No entanto, o argumento Brownlow e o debate que se segue são pertinentes. A autora diagnostica o hype que comentamos acima:
“De repente, os painéis estavam por toda parte. O engenheiro quer alguns dados para uma análise ad-hoc? Aqui está um dashboard. O VP tem uma apresentação na próxima semana e quer alguns gráficos? Ele pega um dashboard. E eles nunca olham para eles [esses dashboards] novamente. [...]” — Taylor Brownlow.
Ela reconhece que os painéis foram um “salto de maturidade analítica” em relação às planilhas do passado. Mas, então, dashboards viraram solução para tudo e, obviamente, para nada.
“É uma sensação excepcionalmente desmoralizante ver mais um de seus painéis ser descartado mais rápido do que sua conta no MySpace em 2008.” — Taylor Brownlow.
Para piorar, eles ganharam complexidade desnecessária, que ela chama de “morte por mil filtros”. Dashboards não respondiam todas as perguntas, tinham falhas de design e acabavam sendo apenas uma fonte de dados para serem exportados e analisados por pessoas de negócio no… Excel.
Isso levou a um descrédito dos dashboards, segundo ela. Dashboards passaram a ser desacreditados, como se estivessem errados, ou foram simplesmente ignorados, mesmo depois de todo o trabalho para projetá-lo e construí-lo, o que nem sempre é tarefa trivial.
“[...] este painel [ela cita nada menos que o John Hopkins Coronavirus Dashboard] está conseguindo fazer com que as pessoas façam algo com os dados, mas não necessariamente algo significativo. Na referida empresa não identificada, tentamos resolver isso adicionando mais e mais painéis e, em seguida, adicionando mais e mais filtros a esses painéis e, em seguida, eliminando esses painéis quando eles decididamente não eram úteis. Esse ciclo de feedback negativo contribuiu para uma séria desconfiança nos dados e nos cismas entre as equipes [...]” — Taylor Brownlow.
Brownlow relata essas impressões para defender outra abordagem: baseada em notebooks do Jupyter, quase que como relatórios de página corrida, porém interativos, de baixo custo operacional e fácil manutenção. (Vamos aprofundar essa solução na próxima seção do texto).
Handy, do dbt, comentou o artigo em um boletim informativo em que é curador, o Data Science Roundup. Lá, diz compartilhar das mesmas impressões e dores de Brownlow e que é necessário repensar “o status quo do BI [Business Intelligence] baseado em painel”. Ele, porém, não concorda 100% com a solução dos notebooks e pensa em outra saída:
“Minha convicção pessoal é, porém, que este modo retrato vai se parecer muito mais com o Reddit - postagens com tipos de conteúdo restritos, áreas de tópico específicas que podem ser assinadas, recursos sociais ... Você treinará o feed para revelar os dados de sua organização com a qual você mais se preocupa. — Tristan Handy.
Um leitor que respondeu à discussão levantada, Alexander Jia, segundo Handy, pontuou outras contribuições relevantes. De forma resumida, ele elencou os seguintes problemas em relação a dashboards atuais:
relatórios de dados não são um problema técnico, mas de pessoas;
democratização de dados é necessária, mas democracia pura é anarquia (dados mal selecionados e contextualizados em diferentes canais);
curadoria ruim leva à confusão (qual painel usar), desconfiança (os painéis estão errados) e mais problemas (painéis inutilizados, manutenção necessária);
há diferença entre relatórios de BI, onde os dashboards entram, e explorações rápidas, onde os notebooks são úteis;
a maioria das pessoas em organizações não têm capacidade nem conhecimento para lidar com dados, e documentação e educação não resolverão o problema.
Em seguida, propõe como soluções:
curadoria: modelar e exibir apenas dados úteis de uma única fonte de verdade;
contexto: adicionar descrições úteis e amigáveis aos dashboards;
complexidade: arquitetar padrões de descoberta de dados intuitiva para pessoal não técnico e leigo em dados.
Handy arremata a discussão dizendo que não acredita que dashboards estão mortos, que a o artigo de Brownlow expressa a visão de uma empresa do mercado (que, lembrando, vende um editor de SQL, uma interface que depende de código que compete com outras de visualização), mas que a discussão é útil porque levanta problemas e questões até então pouco discutidos.
Uma olhada em outras críticas ao uso de dashboard é necessária, para contexto. O maior perigo, porém, é realmente cair em narrativas rasas de empresas que apenas tentam vender soluções que confrontam com os dashboards, sem um debate franco sobre a questão. Nem sempre é fácil filtrar intenções.
Um artigo da Forbes de abril de 2021, “The Theory Of Evolution: Why Dashboards Aren't Extinct After All”, de Alexander Igelsböck, embora ele seja co-fundador e CEO de uma plataforma de “marketing inteligente”, adiciona algum realismo à discussão.
Muito do que ele expõe vai de encontro a um dos pontos fundamentais levantados por Jia: relatórios de dados não são um problema técnico, mas de pessoas.
“Os painéis continuam sendo uma parte importante da análise; no entanto, em vez de ser uma solução rápida para dados, seu valor depende de como eles são usados e para quê, e são influenciados por onde a empresa está em sua jornada de dados.” — Alexander Igelsböck.
De fato, dashboards são ferramentas e, como tais, não tem um valor intrínseco ou carregam qualquer poder desconhecido. É o uso que nós fazemos de uma ferramenta que cria seu valor e faz ela ser benéfica ou danosa.
O problema é que dashboards não são simples martelos ou chaves de fenda, com um propósito específico, mas muito versáteis, sem custo de manutenção ao longo do tempo.
Eles são interfaces que dependem de conhecimento e interpretações (subjetividade) para serem operados e terem utilidade e, como sabemos, tais fatores não são padrões, universais ou uniformes de uma pessoa para outra, podendo variar inclusive em uma única pessoa, dependendo de seu momento e circunstâncias.
Mais: dashboards são sumarizações de muitos outros dados que tentam captar alguma condição da realidade e, como tais, esses muitos outros dados já são recortes e reduções da própria realidade, que é sempre mais complexa e desconhecida que os registremos que fazemos dela.
Ter um processo bem azeitado desde o planejamento do que se quer medir, até a captura de dados, todo o ciclo de vida e infraestrutura por onde esses dados rodam, até serem condensados em alguns símbolos numéricos e figuras geométricas com o propósito de não nos sobrecarregar cognitivamente — tudo isso é uma tarefa grandiosa e árdua.
Também é uma tarefa ingrata, porque toda a energia cognitiva gasta para projetar e construir um bom painel que sumarize dados significativos não é proporcional a energia que será economizada na visualização e uso de tais dados por outra pessoa.
Além disso, a realidade é epistemologicamente sacana conosco: ela não faz apenas o dados capturados variarem, às vezes de maneira louca e incompreensível, mas pode mudar o significado da própria informação com o tempo, de forma que modelos e representações perdem o sentido (ou nos levam a erros).
Mais ainda: tendemos sempre (alguns dizem que por características evolutivas) à zona de segurança e conforto, e consumir sempre as mesmas informações prontas de uma tela pode nos tornar preguiçosos e desatentos a fatores que estão fora da tela, de forma que temos duas saídas:
solicitar que o dashboard seja modificado para agregar complexidades imprevistas (para frustração de cientistas de dados, devs e pessoal técnico, que depois escreverá artigos como o de Brownlow);
abandonar o dashboard e recorrer a outras formas de agregar o imprevisível e fazer análises, de preferência numa zona de segurança e conforto como o… Excel.
“Uma pesquisa da Gartner, Inc. mostra que os CMOs estão cada vez mais frustrados com a lacuna entre o que eles antecipam que as plataformas analíticas proporcionarão e o impacto real nos negócios, com mais da metade desanimados com os resultados de seus investimentos.
“Os painéis são tão produtivos quanto as pessoas por trás deles [...]
“O valor de um painel depende de onde a empresa se encontra em sua jornada de dados.”
Outros artigos que ressoam a morte dos dashboards trazem alguns insights a mais ou continuam pintando o cenário apocalíptico para vender soluções.
Este, da holistics.io, uma plataforma de BI, pelo menos toca um ponto fundamental: qualidade dos dados e maturidade com uma cultura de dados, sem os quais painéis (e quase todo o resto da análise, para não falar de Machine Learning e aspectos mais avançados) não se sustentam:
“Se sua organização não é particularmente orientada a dados, nenhuma quantidade de ferramentas sofisticadas irá salvá-lo.
“Se a obsessão pela qualidade dos dados não for uma norma cultural, ou se os processos de dados existentes não levarem a qualidade dos dados a sério, nenhuma quantidade de painéis ou anotações o salvaria.
“Se sua equipe de dados usa exclusivamente painéis para exploração, você terá problemas maiores do que usar apenas painéis ou notebooks. Você tem um problema de maturidade da equipe de dados, não de ferramentas.”
Death of Dashboards, uma landing page para algum produto ainda a ser lançado, conta até uma historinha (bom storytelling visual) para dizer que os painéis estão mortos.
Passando a limpo, dashboards não estão mortos no sentido de abandonados. Cada vez mais empresas usam, pedem e querem e sofrem as dores que a maturidade e uma cultura de dados requer. Normal. Essa realidade não invalida, porém, que se critique o formato atual dos painéis e seus propósitos, não pela crítica gratuita, mas para tentar enxergar evoluções da ferramenta.
Aqui, chegamos à segunda parte do título deste artigo: dashboards não estão mortos, mas é bom não se apegar demais.
Não é algo que irá acontecer de repente, mas, como tudo na história, uma construção gradual: dashboards vão deixar (em alguns casos, já estão deixando) de ser só aquele painel com alguns gráficos de pizza, outros de barra, uma série temporal e alguns números destacados, mesmo que com interatividade — que iniciantes em Data Science gostam de construir porque permite exibir o trabalho no portfólio ou porque tangencia, torna palpável, o que foi aprendido.
Algumas das tendências para essa transformação dos dashboards são:
a “notebookzação” de relatórios, como proposta por Brownlow;
serviços que, em vez da visualização de dados, constroem “narrativas de dados” ou permitem “análises contextuais”, normalmente com base em IA, mais amigáveis a humanos, já em prática;
interfaces de Q&A (questions and answers, perguntas e respostas) que, também com base em IA, entregam respostas prontas, por texto ou voz, à informação que se necessita no momento, um pouco mais avançados.
O uso de notebooks proposto por Brownlow foi, de alguma forma, uma propaganda aos notebooks de SQL que a empresa em que ela atua vende. Porém, não deixa de ser uma tendência já observada em alguns negócios que aplicam Ciência de Dados de forma intensiva e que tem cultura analítica mais estabelecida.
Em vez de todo o trabalho de BI de buscar informações e formatar telas ou relatórios bem diagramados, passou-se a utilizar os próprios notebooks do Jupyter para conectar-se rapidamente a bancos de dados, fazer alguma limpeza, análise exploratória e visualização, com facilidade de manutenção e de compreensão por parte de leigos, já que é possível esconder a parte de código e fornecer resumos textuais em Markdown para facilitar o entendimento.
Só que isso é um benefício para a exploração ad-hoc (momentânea e específica) e com finalidades de exploração. Ter de construir ou recuperar um caderno do Jupyter a cada nova pergunta do negócio seria um retrabalho insano.
Ou seja, a solução é barata, rápida e muito acessível. Até ajuda na investigação daquilo que já se conhece. Mas não atende dores dos decisores de negócio, como ter uma fonte única de verdade, com informações confiáveis, que permitam decisões assertivas e rápidas sobre aspectos críticos.
A segunda tendência é a que vemos surgir com algumas plataformas de BI mais inteligentes, como Sisense e Lexio, que criam narrativas a partir de dados. Na prática, com uso de IA, essas ferramentas são conectadas a diversas formas de dados e, em vez de visualizações mais tradicionais, baseadas apenas em gráficos e números, fornecem descrições textuais mais compreensivas a humanos.
O que esses serviços fazem é esconder boa parte do trabalho sujo e de “encanador” (conectar dados, configurar gráficos, encontrar espaço na tela para incluir mais uma série temporal) e fornecer informação em alto nível e mais “mastigada” ao usuário final, até sem que ele pergunte, como no caso de alertas automatizados de anormalidades.
A terceira tendência é de ferramentas que também podem agregar narrativa e contextualização de dados, mas que são mais flexíveis ao permitir perguntas ou fornecer palavras-chaves ao sistema e o mesmo retornar gráficos, trechos textuais e outras formas de insights.
É o caso de Qlik, que vende as seguintes funcionalidades:
“Combine, carregue, visualize e explore facilmente seus dados, não importa o tamanho. Faça qualquer pergunta e siga sua curiosidade. Pesquise, selecione, visualize os detalhes ou o conjunto para encontrar sua resposta ou mude instantaneamente o foco se algo despertar seu interesse. [...] — Qlik.
Ou do ThoughtSpot, que tem pequenos vídeos demonstrativos de como sua função de busca de insights funciona na prática, desenhando gráficos automaticamente na tela a partir de inserções textuais, por exemplo.
Poderíamos citar várias outras ferramentas com funcionalidades parecidas ou até mais avançadas (até porque estão constantemente lançando novidades), mas o foco aqui não é fazer review de opções disponíveis ou focar no tempo presente.
Queremos olhar para a Ciência de Dados, a visualização de dados (ou, melhor, o entendimento de dados, “data understand”, ou o que resumimos sob o grande chapéu de analytics e tomada de decisão), e como essas tendências impactam e influenciam no que profissionais da área fazem e farão.
Embora construir dashboards estáticos ou até com alguma interatividade seja um exercício válido de visualização de dados e algo para pôr no portfólio, além de resolver o problema em empresas que ainda estão no Excel, dashboards são produtos de software como quaisquer outros, em experimentação e evolução constantes.
Em determinados momentos, certos designs de ferramentas se tornarão mais eficientes que outros, dominarão o mercado e definirão tendências que negócios e indústria buscarão. Para não ficar desatualizado e entender para onde o mundo caminha, é necessário acompanhar essas invocações e polêmicas, como as que decretam que dashboards estão mortos.
Note-se que muito disso vai ao encontro do que já tratamos aqui na Newsletter sobre soluções low-code/no-code, uso de IA para auxiliar o trabalho humano e interfaces baseadas, cada vez mais, em linguagem natural, onde poderemos conversar com a máquina em vez de ter que programá-la.
Se, em vez de criarmos apenas telas com gráficos bonitos e estáticos, dermos um passo além e quebrarmos a cabeça sobre como poderíamos aliar um chatbot ou Q&A como entrada para a geração de gráficos dinamicamente, entraríamos em outro patamar de resolução de problemas. Muito mais avançado, é claro, mas que gradativamente deve ser viabilizado por outras empresas.
Poderíamos “viajar” até os confins da IA onírica que tratamos em “Singularidade, ficção, transumanismo e ética em IA” ao imaginar o futuro dos dashboards. Talvez interfaces sumam e tenhamos cada vez mais IAs acionadas por voz, capazes de interpretar o que estamos perguntando e fornecer respostas, baseadas em dados, de prontidão. Quem sabe, a IA chegue a um ponto que forneça não cenários ou respostas possíveis, mas aquela probabilisticamente mais “correta”, a mais otimizada para o problema em questão.
Para chegarmos até lá, contudo, é necessário pavimentar o caminho e construir tais soluções — e enxergarmos além do que achamos que está dado ou pronto ou sempre foi como é.
Por isso, dashboards não estão mortos (não ainda ou não como conceito amplo) e, pelo menos, teremos um tempo para brincar e aprender com eles e nos orgulhar de mostrá-los a colegas ou quem irá nos contratar.
Mas é melhor não se apegar demais a eles ou cair no estigma de que a Ciência de Dados se realiza na entrega de painéis repletos de gráficos coloridos: ela é muito mais um conjunto de métodos e uma mentalidade para aquisição de conhecimento e tomada de decisão que pode mudar substancialmente com o tempo na satisfação de tais finalidades, o que é assunto para artigos futuros.
Artigo escrito por Rogério Kreidlow, jornalista, que gosta de observar a tecnologia em relação a temas amplos, como política, economia, história e filosofia.