Síndrome do Impostor: um apanhado, dois cases, alguns conselhos
Se até David Walsh, da Mozilla, passou por isso, e Dan Abramov, um dos criadores do Redux, revelou que não sabia tudo, por que não seguirmos em frente mesmo no desconforto?
Na edição especial desta Newsletter, dedicada ao Desenvolvimento de Software, publicada em 15/09/2021, terminamos o artigo “Em programação, foque em atravessar o ‘Deserto do Desespero’” com uma deixa para abordarmos a Síndrome do Impostor.
O assunto é o tema do artigo de hoje, e acreditamos que possa ajudar tanto futuros desenvolvedores de software quanto data scientists, devops e outras pessoas que queiram ingressar ou já atuam em carreiras mais técnicas.
Nele, vamos fazer um apanhado sobre a Síndrome do Impostor, passar por dois cases interessantes — dois grandes nomes do desenvolvimento de software que se deram conta que não sabiam de tudo (e que estava tudo bem) — e sugerir alguns conselhos para lidar com esse pensamento ou sensação.
De alguma forma, talvez todos experimentamos algum grau de Síndrome de Impostor ao longo da vida: apenas há quem aprenda a reconhecê-la e seguir adiante mesmo com o desconforto e quem trava e/ou sofre demais em loops de cobrança e culpa.
O apanhado
“Todos são bons no que fazem, só eu que sou/sempre vou ser uma farsa.”
No extremo, Síndrome do Impostor pode ser resumida nesta percepção, como se os outros fossem inteligentes e hábeis e a nós nos resta aguardarmos a hora em que seremos desmascarados como as fraudes que (achamos que) somos.
A quem vê de fora, obviamente é uma generalização para lá de irrealista, já que todos temos altos e baixos de desempenho, bem como expertises e lacunas de conhecimento. A quem vivencia a síndrome, porém, ela pode ser sentida como real e opressora.
Tecnicamente, a Síndrome do Impostor é uma sensação de que sabemos muito menos hábeis do que de fato sabemos, ao mesmo tempo em que acreditamos que os outros, não raro todos, são muito superiores. É uma inferiorização ilusória.
O oposto da Síndrome do Impostor é o efeito Dunning-Kruger, listado por alguns como um viés cognitivo, que faz com que indivíduos com pouco conhecimento em um domínio acreditem que têm mais competências e habilidades do que realmente têm. É uma superioridade ilusória.
Estima-se que 70% das pessoas experienciam a Síndrome do Impostor ao longo da vida. As causas são debatíveis. Parece estarem associadas a pessoas que vêm de famílias superprotetoras, a ambientes de competição intensa (principalmente universidades de elite) e a transtornos como a depressão.
Em termos de saúde mental, a Síndrome do Impostor não é classificada como um transtorno mental, no mesmo patamar do Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), do Transtorno Bipolar e da Depressão, por exemplo. Ela está mais para um estado ou fenômeno que experimentamos em momentos ao longo da vida.
Porém, já se sabe que ela prejudica a autoconfiança, podendo levar a problemas de relacionamento no trabalho, queda de produtividade e a quadros de burnout (esgotamento), além de estar correlacionada a transtornos como depressão.
Tanto mulheres como homens estão sujeitos a experimentá-la na mesma medida, assim como atinge desde jovens em início de carreira até profissionais seniores com décadas de experiência.
Em relação ao gênero, há uma gama de pesquisas que focam em estudar a síndrome em mulheres, principalmente mulheres que vem de minorias sociais. Porém, estudos mais abrangentes não indicaram diferenças significativas entre mulheres e homens.
Apesar de haver artigos e abordagens que sugerem maior ocorrência da síndrome em pessoas menos privilegiadas social e economicamente, em tese, ela parece ser universal, afetando desde a pessoa sai de uma pequena cidade no interior para trabalhar em uma megalópolis até os mais ricos do mundo, como Elon Musk e Jeff Bezos.
Embora a Síndrome do Impostor tenha se tornado popular em ambientes da Tecnologia da Informação, onde há, historicamente, uma prevalência de homens, foi um estudo com mulheres, datado em 1978, que originou o termo (inicialmente chamado de “impostor phenomenon”).
O estudo abrangeu 150 mulheres bem-sucedidas, PhDs em várias especialidades, profissionais respeitadas em seus campos e acadêmicas excelentes, mas que não experimentavam um “senso interno de sucesso”.
A partir de então, o fenômeno foi cada vez mais estudado, melhor conhecido, popularizado e recebeu recomendações de tratamento, como terapias e técnicas de psicologia. Há uma crescente literatura científica a respeito.
Na programação
Não há um histórico preciso de como a Síndrome do Impostor começa no desenvolvimento de software ou na indústria da Tecnologia da Informação de forma ampla.
A tese do senso comum parece ser a seguinte. Até por volta dos anos 1960, a computação ainda era uma área predominantemente de mulheres (sim, de mulheres).
Os computadores eram primitivos e muitas delas trabalhavam executando cálculos matemáticos com ajuda das máquinas, trabalho que era visto como de “operários”. Homens ficavam em postos de tomada de decisão e gerenciamento.
Mais tarde, já adentrando a década de 1970, com o avanço da Tecnologia da Informação, começou a ser comum meninos de famílias bem-sucedidas crescerem brincando com computadores e com programação, como se fossem “coisa de menino”, enquanto meninas continuavam brincando com bonecas.
Esses meninos foram para as universidades e mudaram o perfil dos cursos de Ciência da Computação, que passaram a ser predominantemente masculinos nos anos e décadas seguintes.
Essa junção de meninos de boas famílias, crescidos para serem os melhores alunos de suas classes, para serem homens bem sucedidos e toda aquela história que filmes e propagandas de margarina sempre nos contaram, gerou um ambiente competitivo entre eles, o que teria exacerbado a Síndrome do Impostor desde os bancos universitários.
Foi natural, então, que o comportamento contaminasse o ambiente de trabalho e se disseminasse na cultura organizacional de várias empresas.
Some-se a isso a própria natureza da computação, em que o conhecimento é complexo e muda rápido, e tem-se um quadro propício para que a Síndrome do Impostor seja um retrato da profissão.
Por sua relação com a computação e por herdar as mesmas características (conhecimento complexo e volátil), os campos mais recentes de dados (ciência de dados, analytics, engenharia de dados etc.) também aumentam as fileiras de quem se sente uma farsa.
Recentemente, tem havido mais estudos para tentar diagnosticar como a síndrome afeta estudantes de ciência da computação.
Atualidade
Estudos sobre a síndrome continuam avançando, até porque o fenômeno deixou de ser predominante na tecnologia e vem se alastrando para diversas outras profissões.
Quem experimenta a sensação de ser uma fraude o tempo todo já não precisa ser visto como caso isolado e incompreendido. Há formas de lidar com o fenômeno, já que parece ser difícil nos livrarmos completamente dele.
Para demonstrar que não somos casos isolados e incompreendidos, vamos para os dois cases — David Walsh, da Mozilla, e Dan Abramov, um dos criadores do Redux — que nos ajudam a ver como a síndrome afeta até gente com carreira em empresas renomadas.
Quanto a lidar com o fenômeno, vamos tentar algumas sugestões na parte final do artigo.
Os cases
David Walsh
David Walsh é um desenvolvedor de software sênior que, entre outras iniciativas, atua na Mozilla, a instituição por trás do navegador Firefox e de uma internet livre.
Mais especificamente, ele trabalha para uma empresa chamada Metamask e contribui com o Mozilla Developer Network (documentação para desenvolvedores) e o Mozilla Marketplace. Em suas andanças, já palestrou na BrazilJS.
Walsh veio a público em 2015 para falar sobre a Síndrome do Impostor, em um post bastante confidencial (não tem cara de marketing pessoal), em seu blog, intitulado “I’m an Impostor” (“Eu sou um impostor”). O post gerou muitas reações positivas em comunidades de desenvolvedores, pela coragem em expor o assunto.
Como ele mesmo conta, não era para menos. Ele ingressou na Mozilla por indicação de Rey Bango, um fundador da biblioteca jQuery (que dominou o front-end por anos e ainda pode ser visto em muitos sites da web).
Seu cargo e salário tiveram de ser aprovados por ninguém menos que Brendam Eich, criador da linguagem de programação Javascript (o coração do front-end e, hoje, presente até em back-end).
Para alguém vindo do interior dos EUA, ele chegara ao “topo da cadeia dos frameworks de Javascript”, e, mesmo assim, nunca deixou de se sentir um completo impostor. A abertura do artigo é forte:
“‘Impostor’ é uma palavra poderosa, mas é assim que me sinto durante toda a minha carreira como desenvolvedor web profissional. Sinto que aprendi todos os dias com o passeio, mas sinto que estou muito atrasada. Sinto que as pessoas me veem como uma espécie de especialista, onde me vejo como um acidente prestes a acontecer. Sou um completo impostor. Uma fraude.” — David Walsh.
Ele conta que sempre teve problemas de autoconfiança, desde aulas de COBOL na faculdade a um primeiro emprego em uma gráfica que estava abrindo um departamento de web, onde se tornaria webdesigner.
Com a trajetória na Mozilla, Wash diz que nunca saiu de sua cabeça que ele deveria eliminar os erros que cometia, até não sobrar nenhum, o que seria a perfeição, algo impossível.
Em 2015, quando escreveu, ele estava há três anos na Mozilla, um tempo relativamente curto, pode-se dizer.
“Você sabe a que isso levou? Mais erros, mais pressão própria e mais sentimentos de que eu era uma fraude absoluta esperando para ser levado de avião para Mountain View e queimado na fogueira. [...] Cada comentário sobre minhas solicitações de pull parecia um aviso de desempenho de RH para o meu arquivo.” — David Walsh.
Walsh diagnostica uma série de fatores que levam à Síndrome do Impostor e também dá conselhos, que deixaremos para a parte final do artigo. Entre os fatores que levam ao problema, podemos destacar:
em desenvolvimento de software, não é apenas o seu colega ao lado ou outros programadores de sua cidade que são seus concorrentes; qualquer pessoa com um computador, que saiba programar, de qualquer parte do mundo, é um concorrente em potencial, o que assusta;
a eficiência da programação é mensurável (capaz de ser medida), o que faz com que alguém possa criar uma solução muito mais rápida ou mil vezes mais eficiente que a sua;
APIs (e linguagens, padrões etc.) mudam com tanta frequência que corremos o risco de ficar para trás;
continuamos no computador mesmo depois de um dia inteiro de trabalho (para jogar, consumir conteúdo, se relacionar etc.), o que leva a sensações de cansaço e esgotamento, o que piora a sensação de ser uma farsa.
O artigo termina com mais sinceridade e um lembrete sobre a vida além dos códigos e do trabalho:
“Não sei mais o que dizer. Eu nem sei se essa postagem faz sentido; foi incrivelmente difícil de escrever e o pior é que não tenho uma resposta para todos vocês. Se você tem experiência com a síndrome do impostor e tem algo a compartilhar, por favor, compartilhe. Estamos juntos nessa.
“Lembre-se também de que o desenvolvimento é apenas uma pequena porcentagem de nossas vidas.” — David Walsh.
Os comentários no blog ajudam a dar a dimensão dos feedbacks que a postagem gerou, com mensagens de apoio, de identificação e contribuições às tentativas de entender melhor o problema.
Dois anos depois, em 2017, ele voltou ao tema, falando das reações do público e dando dicas de como conseguir pequenas vitórias, nas quais reforça alguns conselhos.
O que o caso de Walsh mostra é que você pode chegar na empresa dos sonhos, pode trabalhar entre as pessoas mais competentes do mundo (no caso dele, gente que estava construindo pilares da Web) e mesmo assim viver com a sensação constante de ser uma farsa.
Ou seja, estamos todos no mesmo barco.
Dan Abramov
Dan Abramov é um engenheiro de software russo que migrou ao Reino Unido, onde passou a trabalhar para o Facebook, no qual integra o time que mantém o React (uma das bibliotecas que domina o front-end na atualidade) e onde foi um dos criadores do Redux (outra biblioteca para gerenciamento de estado, algo que dava muita dor de cabeça tempos atrás, em interfaces de aplicativos).
“Bom”, você pensa, “um cara como Abramov, que ajudou a criar o Redux e trabalha no core do React (que todo webdev precisa conhecer hoje), sabe tudo de computação. Deve ter lido tudo de programação funcional para entender de gerenciamento de estados. Deve não só conhecer Javascript a fundo (Redux foi criado na linguagem), como entender até do código assembly ou os zeros e uns do computador”.
Abramov não fez um post como o de Walsh, declarando sua Síndrome do Impostor. Mesmo assim, sua contribuição também deu o que falar em comunidades de devs. Ele expôs o que não sabia.
O artigo, a propósito, leva esse título simples, nu e cru: “Things I Don’t Know as of 2018” (“Coisas que não sei desde 2018”), o que também é corajoso, principalmente de alguém que é engenheiro de software em nada menos que o Facebook.
A revelação começa assim:
“As pessoas costumam presumir que sei muito mais do que realmente sei. [...]
“[...] existe uma expectativa irreal de que um engenheiro experiente conheça todas as tecnologias em seu campo.” — Dan Abramov.
Não importa o quão experiente você se torna, continua Abramov, você ainda pode se sentir incapaz (Síndrome do Impostor) ou ter excesso de confiança (Dunning-Kruger).
“[...] mesmo engenheiros experientes têm muitas lacunas de conhecimento. Esta postagem é sobre a minha, e encorajo aqueles que podem pagar por vulnerabilidades semelhantes a compartilharem as suas. Mas não vamos desvalorizar nossa experiência enquanto fazemos isso.” — Dan Abramov.
A lista que Abramov relaciona tem 24 de suas lacunas de conhecimento. Algumas revelações são de nos deixar meio espantados.
Vamos fazer uma releitura de alguns tópicos, mas é recomendada a leitura do original, para captar o tom com que ele as coloca.
O que mais nos surpreende está com uma exclamação entre parênteses:
ele não sabe usar vários dos recursos da linha de comando (!), no máximo dar um ls ou cd, não entende de encadeamento com pipes e não aprendeu bash de forma adequada;
não entende de assembly e só entende alguns conceitos de C;
não entende TCP/IP, DNS e protocolos da Internet;
não sabe (não sabia em 2018, pelo menos) usar o Docker (!);
não entende o conceito de “microsserviços”;
já trabalhou com Python e nunca entendeu bem a linguagem (!);
tentou, mas não conseguiu aprender Objective C, Swift nem Java;
conhece pouco de lógica e estrutura de algoritmos (aquilo que recomendam aprender antes de querer começar em qualquer linguagem de programação);
realmente, não tem vasta bagagem em linguagens funcionais, como se suporia (não sabe o que é monoids, functors, mônadas e coisas do tipo e diz que só sabe mesmo Javascript e C#);
não conhecia, em 2018, Flexbox e Grids do CSS e nunca aprendeu SCSS/Sass;
suas habilidades em devops se limitam a enviar arquivos por FTP (!).
O mais interessante é que Abramov não faz cerimônia sobre suas lacunas de conhecimento. É direto e sincero. Não sabe muitas das coisas que várias pessoas pensavam que um engenheiro do React “deveria” saber, coisas que consideramos básicas, como linha de comando ou, talvez, Docker, por exemplo.
É claro que o artigo é de 2018 e algumas das tecnologias que ele menciona eram recentes na época. Mas é de se imaginar que seja comum gente da área e de empresas de ponta (ainda mais de uma big tech) ter pelo menos um “cheiro” do que está rolando de novidade no cenário de desenvolvimento.
“Estou ciente das minhas lacunas de conhecimento (pelo menos, algumas delas). [...]
“Isso não desvaloriza meu conhecimento e experiência. Há muitas coisas que posso fazer bem. Por exemplo, aprender tecnologias quando preciso delas.” — Dan Abramov.
Reações à revelação dele podem ser conferidas no Hacker News, por exemplo. Logo depois, Abramov também escreveu outro post, em que reconhecia o que sabia, um exercício interessante de autoconhecimento.
Os conselhos
Vamos começar no extremo. É óbvio que se alguém está no “fundo do poço” da Síndrome do Impostor deve procurar ajuda de profissionais, como psicólogos, psiquiatras, terapeutas.
Esse “fundo do poço” envolve experimentar algum transtorno mental como depressão ou ter sérios problemas com o que acha que sabe e a comparação com os outros, a ponto de atrapalhar ou travar no trabalho e/ou na vida pessoal.
É claro que se a pessoa chega nesse estágio, pode nem saber como sair de sua própria ilusão e não conseguir procurar ajuda por conta própria.
Nessa situação, cabe a colegas, parentes, pessoas próximas, familiares, observarem o comportamento da pessoa e tentar incentivá-la a se tratar. Transtorno mental é coisa séria e não dá para encarar como hábitos do trabalho, jeito de ser ou (preconceituosamente) “frescura”.
Antes de chegar em uma situação dessas, que talvez seja rara em termos de Síndrome do Impostor, é mais fácil observar como ela se desenvolve.
Se for diária ou muito frequente, também deve lançar um sinal de alerta para que atitudes e comportamentos sejam revistos. Se for esporádica ou ocorrer em situações muito específicas, talvez seja bastante administrável, mesmo que gere incômodos.
Em um nível tolerável, provavelmente, a Síndrome do Impostor pode até ser positiva. Pode levar a pessoa a aprender mais (já que acredita que não sabe), a ser mais zelosa com o que faz e a não ser arrogante com o seu conhecimento.
David Walsh lista alguns conselhos em um tom auto-ajuda, que ele usa para se motivar e fugir da angústia da Síndrome do Impostor:
comemorar pequenas vitórias: atualizar uma documentação, refatorar código, resolver bugs, até conversar e trocar ideias com colegas o ajuda a mergulhar em questões que considera que não sabe;
comprometer-se com tarefas, talvez porque isso coloca urgência, metas e deixe pouco espaço para divagarmos em aborrecimentos;
programação em pares;
trabalhar em projetos alinhados às suas paixões;
conversar sobre a Síndrome do Impostor com colegas e com superiores (importante);
por fim, lembrar que você não é definido pelo local de trabalho nem pelo trabalho em si, que há vida fora disso e ela deve ser cultivada, o que ajudará na sua forma de encarar as coisas.
Abramov não dá conselhos. Ele apenas lista algumas constatações óbvias e mais “racionais”, que valem ser lembradas:
mesmo seus ídolos podem não saber muitas coisas que você sabe;
sua confiança pode variar, independentemente do seu nível de conhecimento (na Síndrome do Impostor, de fato, o que está em jogo não é o conhecimento, mas a confiança);
desenvolvedores experientes possuem conhecimentos valiosos, apesar de também terem lacunas de conhecimento.
Há muitas outras listas de dicas, pontuações e conselhos simples na web sobre Síndrome do Impostor, muitas delas comuns a vários outros incômodos administráveis da vida, como ter uma rotina mais saudável, descansar, ter lazer, socializar, falar dos problemas com outras pessoas.
Isso é relevante, é claro. Qualidade de vida conta muito para entendermos nosso lugar e nossas circunstâncias no mundo, onde podemos avançar e onde temos limitações.
No entanto, talvez três fatores sejam fundamentais para lidar melhor com essa sensação ou fenômeno de se sentir uma farsa:
bom senso: poderíamos chamar de autoconhecimento ou percepção também, mas vamos chamar de bom senso, seja consigo, seja com os outros, seja com a realidade: ninguém vai saber tudo, alguns saberão mais em um domínio, outros saberão mais em outros, precisamos aprender para desempenhar nosso trabalho, mas não transformar isso em uma competição e obsessão;
humildade: claro que não é humildade no sentido de se esconder mais ainda, mas de reconhecer nossas habilidades e limitações e as dos outros, de declarar que não sabemos (mas que podemos tentar aprender); mesmo que sejamos especialistas, sempre podemos esquecer ou descuidar de algo, podemos tropeçar em um conceito ou esquecer outro; talvez ter a capacidade de “zoar” um pouco de si mesmo e de seus limites ajude nesse sentido;
maturidade: essa vem com o tempo, mas podemos ajudá-la observando o comportamento de outras pessoas, entendendo história, lendo, refletindo, trocando ideias; ela faz a trajetória pessoal ser mais um jogo de cooperação do que de competição.
Desenvolvedores experientes, não no sentido de serem experts, mas de terem vivência na área, sabem que muitas vezes o trabalho é uma rotina de “Google, documentação, Google, documentação” para lidar com um problema.
É tentar, errar e testar por que algo deu certo ou não. Entendem que, na impossibilidade de saber tudo, o melhor é “saber a aprender” (bom senso) e “onde buscar ajuda” (humildade).
Outros fatores que não dependem exatamente da pessoa também contam. Startups e empresas que favorecem ambientes saudáveis, em que não se vive em competições “colegiais” sobre quem é o melhor, por exemplo, ajudam a evitar ou a lidar melhor com a Síndrome de Impostor.
No começo, talvez até travemos achando que cometemos a maior gafe ou o maior erro do mundo perante colegas. Com persistência, paciência e algum bom humor, o tempo fará seu trabalho e provavelmente daremos risadas das lembranças.
Artigo escrito por Rogério Kreidlow, jornalista, que gosta de observar a tecnologia em relação a temas amplos, como política, economia, história e filosofia.